segunda-feira, 29 de outubro de 2007
Estrambote* Melancólico
Tenho saudade de mim mesmo,
saudade sob aparência de remorso,
de tanto que não fui, a sós, a esmo,
e de minha alta ausência em meu redor.
Tenho horror, tenho pena de mim mesmo
e tenho muitos outros sentimentos
violentos. Mas se esquivam no inventário,
e meu amor é triste como é vário,
e sendo vário é um só. Tenho carinho
por toda perda minha na corrente
que de mortos a vivos me carreia
e a mortos restitui o que era deles
mas em mim se guardava. A estrela-d' alva
penetra longamente seu espinho
(e cinco espinhos são) na minha mão.
Carlos Drummond de Andrade
*Estrambote vem do italiano strambotto, termo que designa o acréscimo de um ou mais versos aos quatorze do soneto. É de se notar que, no caso, não se tem um soneto; no entanto, há quatorze versos na primeira estrofe, a que se acrescenta uma estrofe de um único verso. Temos, portanto, um poema que se afirma e se nega, como soneto e como estrambote, decorrendo daí seu caráter esquisito, original, excêntrico, ou seja, estrambótico, que já se revela no próprio título.
Extraído, na íntegra, do livro: Literatura Comentada - Carlos Drummond de Andrade,
pág. 96, editora Nova Cultural.
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